A novela (frustrante) do Código Florestal
Ulisses Capozzoli
Scientific American Brasil
A presidente Dilma Roussef passou boa parte da manhã de hoje (25/05) reunida com ministros e parlamentares e, ao final disso, vetou 12 artigos e fez 32 alterações em trechos do que deve ser o novo Código Florestal.
A versão original do Código foi adotada em 1965.
A versão original do Código foi adotada em 1965.
As mudanças aprovadas pelo Congresso, que a presidente vetou parcialmente ou alterou, têm merecido o repúdio de ambientalistas e da comunidade científica nacional.
Na quarta-feira, por exemplo, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) havia recomendado à presidente o veto integral da versão aprovada pelo Congresso.
O Consea, formado por 57 conselheiros titulares (19 representantes de ministérios e 38 representantes de entidades da sociedade civil) é um órgão consultivo, de assessoramento da presidência da República.
Para o Consea, a proposta de novo Código Florestal, na forma como foi aprovada, provocará “graves impactos sobre a segurança alimentar e nutricional da população brasileira”.
Na interpretação unânime dos membros do órgão a alteração tem “diversos dispositivos que ameaçam destruir recursos hídricos e florestais”.
Um deles envolve a anistia a desmatadores, “que consolida a ocupação irregular, legitima a degradação e chancela e premia a impunidade”.
Refletindo a posição comum entre a comunidade científica o Consea entende que “é possível produzir alimentos em harmonia com a Natureza ou com baixo impacto sobre o meio ambiente”.
A comunidade científica aponta para a disponibilidade de áreas já desmatadas e subutilizadas neste momento para condenar a expansão da fronteira agrícola com novos e continuados desmatamentos.
A versão com vetos e alterações depende agora de uma Medida Provisória para preencher o que ambientalistas do Greenpeace, logo após o anúncio das alterações feitas pela presidente, chamaram de “vácuo jurídico”.
Imagem externa
A decisão de Dilma de não vetar inteiramente a nova versão do Código como sugeriu o Consea poderá pesar negativamente na imagem internacional do País que abriga a maior biodiversidade do planeta e, evidentemente, no prestígio da presidente.
No ranking das 20 mães mais poderosas do planeta a revista Forbes elegeu a presidente brasileira como a segunda mais importante, atrás apenas da secretária de Estado americana Hillary Clinton.
A adoção do Código Florestal, como foi aprovada pelo Congresso, sob forte pressão do chamado “agronegócio” é um retrocesso se comparado a várias iniciativas adotadas nas últimas décadas, entre elas o reconhecimento e a consolidação legal de reservas indígenas e que tem recebido críticas superficiais do pensamento conservador.
Terras indígenas são, de acordo com a Constituição, áreas da União sob usufruto de populações indígenas o que significa que não podem ser objeto, por exemplo, de alienação de qualquer natureza.
Reservas extrativistas, parques (municipais, estaduais e nacionais) e outras áreas de conservação têm a função estratégica de preservar e, na medida das possibilidades, aumentar o amplo e ainda não inteiramente conhecido patrimônio natural nacional, incluindo as populações indígenas, suas línguas e diferentes culturas.pela experiência e por isso mesmo dispuseram a se manterem reclusos no interior fechado da floresta.
Em 18 meses de presidência Dilma Roussef não criou qualquer unidade de conservação e reduziu o tamanho de algumas. Neste sentido herda parte do legado de Lula que também não deu muita importância às questões ambientais.
A decisão de construir hidrelétricas na Amazônia, em especial Belo Monte, em terras da etnia Kaiapó, chegou a provocar reação da Organização dos Estados Americanos por desrespeito às sociedades indígenas e povos ribeirinhos.
Às vésperas da realização da Rio+20, de 13 a 22 de junho próximo, a resistência em não vetar as alterações no Código também deverá repercutir negativamente em escala internacional.
Uma das mudanças do Código previa a redução de 30 metros, para apenas 15, das matas ciliares de rios com leito de até 10 metros de largura.
Outra propunha uma média (entre os períodos de seca e inundações) para estimar o leito desses rios.
Em comum há a clara determinação de redução da mata ciliar o que significa duas coisas: desflorestamento dessa cobertura que protege contra assoreamento desses cursos d’água e não reposição da cobertura natural.
Descrédito
Pesquisadores científicos temem que com o recuo nas garantias oferecidas pelo Código Florestal original não apenas o desmatamento crescerá rapidamente como o “perdão” aos desmatadores irá corroer a credibilidade de órgãos públicos e de seus agentes.
O discurso do agronegócio e de grupos conservadores do segmento agropecuário argumenta com a produção interna de alimentos básicos da dieta nacional e a pauta de exportações para justificar as mudanças.
Alguém que se disponha a conhecer o Brasil Central, em especial a região do Xingu, no entanto, observará a olho nuas mudanças, nem sempre positivas, do avanço da fronteira agrícola que começa com a abertura de pastagens e, ao longo do tempo, cede espaço para a soja.
No Xingu, dominado pela pata do boi, é mais fácil encontrar carne bovina que pescado em qualquer restaurante. No centro dessa região, que se estende do Mato Grosso ao Sul dos Estados do Pará e Amazonas, o que está de fato preservado se localiza no interior de reservas indígenas.
O desmatamento, e isso climatologistas sabem há muito tempo, terá impacto profundo no regime de chuvas mesmo entre áreas distantes, como a Amazônia e o Sudeste. Isso significa dizer que os impactos negativos do crescimento da devastação ameaçam o país como um tudo e, nesse sentido, restringe as possibilidades do futuro.
Ainda que a rejeição das mudanças do Código Florestal venha sendo colocada (por segmentos interessados) como uma postura ideológica, na verdade trata-se de uma comprometimento com a racionalidade na preservação de recursos naturais que estão longe de uma avaliação mínima necessária.
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